A morte
Os anos passaram lentos – monótonos - e os bons velhinhos nem olhavam para trás, seus olhos cansados não enxergavam mais as cores do mundo. Sabiam que já haviam passado há muito dos noventa, estavam beirando os cem anos de idade.
Lembravam-se das bodas de Prata - de Ouro – de Diamante – dos treze filhos que tiveram, e que andavam por este mundo afora tentando melhor sorte. Possivelmente em S. Paulo, o sonho dos nordestinos.
Em um lugar escondido no sertão de Pernambuco os simpáticos velhinhos viviam como se os dois fossem um só.
Pegavam da terra o sustento que seus corpos fragilizados precisavam. Ainda sabiam sorrir, seus rostos sem viço faziam lembrar figos secos há muito guardados em uma velha despensa.
Naquela tarde de sol, sentados nas cadeiras de balanço, balançavam... balançavam... devagar – tudo o que faziam era lentamente – os anos lhes foram tirando as energias – eles também não tinham pressa. Conversavam pausadamente – repetiam os assuntos – pois naquele sertão nada acontecia e suas mentes já nada criavam. Não que tivessem abolido o sentido de amar – sonhar – mas tinham desaprendido muitas coisas essenciais. Amavam-se, cada um ao seu jeito, sem ambições de poder, queriam simplesmente viver.
Naquele final de tarde eles falavam da morte feia e fria. A velhinha dizia:
Quando ela chegar iremos os dois juntinhos – não agüentaríamos viver um sem o outro.
O vento varria as folhas secas – e uma pancada na porta se fez ouvir – assustados os bons companheiros trêmulos perguntaram:
Quem é?
A morte – venham abrir...
Os dois se olharam com o medo estampado nos rostos e disseram:
Não conhecemos você, então não abriremos.
A Morte insistiu:
Está na hora – abram – venho trazer-lhes o descanso.
Aterrorizados com a cumplicidade no olhar não se moveram.
Vai você, diz a mulher.
Ao que o homem respondeu:
Não posso, minha perna está doendo – abra você por favor.
Ela estarrecida continuou imóvel.
Ambos olharam através da vidraça as velhas árvores firmes e fortes que haviam sido plantadas pelas suas próprias mãos e, murmuraram:
Plantamos árvores – tivemos filhos – lutamos juntos com muito amor...
O homem pensativo ergueu os olhos ao céu e pausadamente articulou:
Falta-nos escrever um livro – nossa missão não está cumprida aqui na terra – conversaremos com a Morte e entraremos em acordo. Vá à minha frente eu ficarei para escrever um livro em nome de nós os dois – falarei do sertão – do nosso amor – dos nossos filhos... Vá e espere lá que eu irei depois.
Ela replicou:
Como partir sem você? Se você não abrir a porta eu também não abrirei.
Apesar de velhinhos eles estavam voltados para a vida e não queriam deixá-la. Cúmplices ergueram-se sorrateiramente e encaminharam-se para a velha cama de ferro deitaram-se e fecharam os olhos. Uma sombra entrou pela janela abeirou-se do leito e deu-lhes o eterno descanso.
Pela manhã alguns amigos e parentes absortos fizeram o sinal da cruz.
Confiantes na vida acompanharam os hirtos corpos libertos e extintos à sua última morada.
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